A Reforma da Universidade Coimbra
A Universidade de Coimbra é uma das mais antigas da Europa. Criada em 1290, esteve ora em Lisboa, ora em Coimbra, até ser definitivamente instalada na cidade do Mondego em 1537.Um dos marcos de referência da história da instituição é a reforma pombalina de 1772, que acontece na esteira do reformismo ilustrado do reinado de D. José I. A profunda remodelação curricular trazida pela Reforma revela o notável esforço de atualização do ensino universitário diante do movimento das Luzes e em direção à modernidade científica.
A Universidade de Coimbra foi fundamental na formação da geração de cientistas brasileiros do setecentos português. Com a proibição da abertura de cursos superiores em terras da colônia, as famílias mais abastadas do Brasil acabavam por enviar seus filhos para estudar na metrópole. Um reduzido número de estudantes brasileiros chegou a buscar outras universidades européias, como as de Edimburgo e Montpellier, mas Coimbra continuaria, por todo o século XVIII, a ser o principal destino acadêmico para os jovens do ultramar.O século XVIII, mais especificamente a partir do reinado de D. José I, marca um período de reformas nas estruturas do estado português. Capitaneado pelo ministro Sebastião José de Carvalho e Mello, o processo de reformas perpassou o conjunto das instituições políticas, econômicas e administrativas de Portugal, culminando com a reforma da Universidade, em 1772.
Nunca dantes o estado havia se imiscuido de forma tão direta e incisiva na gestão da Universidade. O próprio Pombal encarregou-se de dirigir e supervisionar os trabalhos de elaboração dos Estatutos que refundavam a Universidade, como se esta jamais houvesse existido. Tal procedimento visava, por um lado, neutralizar a influência ancestral dos jesuítas na academia, tornando a Universidade uma instituição pública e secular e, por outro, criar uma universidade voltada para os interesses do estado. Em outras palavras, o Portugal moderno ideado por Pombal devia livrar-se da nobreza parasitária e despreparada que ocupava postos no governo e investir na formação de uma elite de profissionais qualificados para servir ao estado.
A crise política, econômica e administrativa por que passava o Império em meados do século XVIII expressava-se também, em termos culturais, através de uma relativa defasagem científica em relação aos países mais desenvolvidos da Europa. Eruditos da metrópole e portugueses radicados no exterior discutiam, desde as primeiras décadas do século, o atraso das instituições portuguesas e buscavam alternativas para seu desenvolvimento. Entre estes, nomes como o de Luis Antonio Verney, autor do Verdadeiro Método de Estudar (1746), um libelo contra o ensino jesuítico, e de Antonio Ribeiro Sanches, autor de Cartas sobre a educação da Mocidade (1760), Método para Aprender a Estudar a Medicina e Apontamentos para Fundar-se uma Universidade Real, tornaram-se emblemáticos da oposição à pedagogia praticada na Universidade de Coimbra.
O sistema de ensino e os curriculos acadêmicos mereceram a atenção desses intelectuais, cujas críticas e propostas foram levados em conta na elaboração dos novos Estatutos instituídos pela Reforma de1772.
Tradicionalmente a Universidade oferecia os cursos de Teologia, Leis e Medicina. Com a Reforma, foram criadas as Faculdades de Filosofia e de Matemática que, juntamente com a de Medicina, compunham a Congregação Geral das Ciências e suas disciplinas de História Natural, Física, Química e Geometria passaram a ser pré-requisitos obrigatórios para todos os alunos dos demais cursos. Para além de instutuir o aprendizado das ciências da natureza como indispensável na formação de todos que passassem pela Universidade, a instalação das novas faculdades significou, também, a obrigatoriedade da formação de nível superior para os matemáticos e determinou o surgimento de um novo profissional: o naturalista.
Duas vertentes orientaram a mudança pedagógica e curricular instituída pelos Estatutos da Reforma: a introdução do ensino das modernas ciências matemáticas e da natureza e a adoção do método experimental como processo de aprendizado.
Para o ensino das novas disciplinas foi criada uma série de estabelecimentos que visavam, sobretudo, instituir a prática do método experimental. Os futuros médicos passaram a contar um Hospital Escolar, com o Teatro Anatômico, com um Dispensário Farmaceutico, e também com o Jardim Botânico, ligado ao curso de Filosofia, onde aprendiam a conhecer as plantas medicinais. Para a Faculdade de Matemática foi criado o Observatório Astronômico. A Faculdade de Filosofia, além do Jardim Botânico, contava com o Gabinete de História Natural, o Gabinete de Física Experimental e o Laboratório Químico.
Para ocupar a cátedra das recém criadas disciplinas, foram convidados professores estrangeiros. O naturalista italiano Domingos Vandelli, chamado para lecionar no Colégio dos Nobres, encontrava-se em Lisboa desde finais de 1760, onde, por atribuição régia, veio a criar o Jardim Botânico e Museu da Ajuda. Com a Reforma, Vandelli deslocou-se para Coimbra onde passou a lecionar História Natural e Química. Vandelli foi o idealizador das viagens filosóficas em terras do reino e no ultramar, e também um dos impulsionadores da criação da Academia Real de Ciências de Lisboa. O matemático Miguel Antonio Ciera, chamado para participar da organização das Expedições de Demarcação de Limites entre Portugal e Espanha na América Portuguesa, foi convidado para lecionar Astronomia. Giovanni Antonio Dalla Bella, também chamado para lecionar no Colégio dos Nobres, veio a ocupar a cadeira de Física Experimental em Coimbra, onde colaborou com Vandelli na elaboração do projeto do Jardim Botânico. Dalla Bella figura como um dos membros fundadores da Academia Real das Ciências de Lisboa.
Da geração de brasileiros que passou pelos bancos da Coimbra pós Reforma, alguns fizeram o curso de Filosofia, tornando-se os naturalistas que a coroa empregou no reconhecimento científico das suas colônias, muitas vezes os mesmos acumularam cargos administrativos com missões científicas. Outros brasileiros, mesmo tendo escolhido carreira diferente, acabaram por envolver-se em atividades ligadas às do filósofo da natureza, dedicando-se a estudos sobre aclimatação de espécimes vegetais, inovação de métodos de exploração mineral, técnicas de cultivo e desenvolvimento de novas culturas, reconhecimento territorial sob bases científicas, tradução e publicação de obras científicas e de divulgação de conhecimentos para público não especializado, legislação relativa à exploração vegetal, mineral e animal, entre outras. Alguns graduados brasileiros seguiram a carreira universitária como docentes em Coimbra. Ao tempo da Reforma, a reitoria era exercida por D. Francisco de Lemos, nascido no Brasil.
A Universidade de Coimbra e seus mestres, citados em muitos dos textos produzidos pela geração de cientistas brasileiros do setecentos, permaneceriam como referenciais fundamentais na formação desses profissionais.
A Universidade de Coimbra como centro de formação profissional, a Academia Real de Ciências de Lisboa e a Casa Literária do Arco do Cego, como indutoras da produção e divulgação de saberes técnicos e científicos, compõem a tríade de instituições basilares do pensamento cultural e econômico do Portugal setecentista.
REFERENCIA
http://www.cedope.ufpr.br/reforma_universidade.htm
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